17 de novembro de 2017

análogo

chegaste e me vi girando no mesmo lugar 
como quem espera em festa o sol nascer 
rodopiei em mim e te vi quando parei 
o agora em êxtase

estar junto é fantasia
delírio equidistante
a gente deseja o presente e esquece da ânsia pelo logo
cada respiração dura uma eternidade 
o toque, o cheiro, a risada doce que te permeia 
passeia por mim com a leveza do carinho que minha mão suada toca tua pele quente 
então nós entregamos a poesia do corpo 
a dança universal nos leva por caminhos entre o tesão e o amor

te abraçar as vezes não é suficiente, você disse 
me fez ver que as vezes o que a gente quer mesmo é mais do que estar junto
é estar dentro 
sentir o fluxo do teu coração bater e aos poucos em sincronia com o meu
e então adormecer 
no silêncio negro do beijo insone 

ao tempo, como caetano
peço o prazer legítimo e o movimento preciso
porque pra te viver é preciso parar
o tempo, o mundo
nada me ocorre quando
nos teus braços me encontro em plena liberdade afetiva

e aí você parte 
deixa comigo sua melhor face 
e eu sigo rodando por dentro 
o que posso sentir de melhor
o acalanto do teu abraço suado
a lembrança do primeiro beijo
o toque tímido 
a risada doce que em ti permeia me passeia e me leva além
a saudade brinca 
como quem espera em festa o sol nascer




10 de novembro de 2017

uva com semente


hoje eu acordei de madrugada pra ver o sol nascer. eram quase seis da manhã quando os primeiros rainhos amarelos rasgavam a escuridão da noite e anunciavam que atrás deles, poucos minutos depois, viria a invasão laranja que toma conta do céu quando no meu relógio marcam seis e vinte e três. gosto de assistir a coisas nascendo. gente, bicho, dia, amor, noite, idéia, planta, amizade, chuva, sentimento. se de repente a gente conseguisse prever quando as coisas vão nascer ou morrer talvez eu não tivesse essa coisa. mas o desconhecido é lindo. eu fico aqui querendo me embebedar do que não conheço, querendo ser preenchida pelo que não tem forma. deve ser por isso que eu gosto tanto do vento. abro a boca e deixo um bocado de nada entrar na minha boca e passear entre meus órgãos e virar outra coisa. abro as mãos e deixo o vento fazer coceirinha entre meus dedos e forçar eles pra trás enquanto empurro pra frente só pra contrariar, como se estivéssemos brincando. fecho os olhos e escuto o barulho que faz quando passa pelo meu ouvido e quase fico surda, mas quando os abro os olhos não tem nada. a cor do mundo quando eu abro os olhos depois de meditar é parecida com a cor do céu da minha janela quando o relógio marca quase seis da manhã e eu acordo pra ver o nascer do sol.

18 de junho de 2017

fluxo ou a participação ativa do rio

minha vida é um rio de água forte
Inunda, transforma, leva
ocupa o que puder
lava o que tiver
meu corpo é uma bóia
carregando com pouco cuidado o peso que tenho
mas não me espanto, minha bóia é frágil
a qualquer momento estoura, fura
ainda que estática, é anatômica
se curva diante dos desafios da água
é preciso que eu tenha cuidado com minha bóia
é com ela que consigo acompanhar o movimento deste rio
ora água barrenta, ora cristalina
não me assusto, o rio tem suas fases e curvas
assim como eu e minha bóia
a todo instante vejo pedras
em uma espécie de esperança e desespero
me agarro a algumas delas
estou exausta
não estou preparada pra tanto movimento
meu coração sente vertigem
escorrego,
pedra nenhuma é suficiente para a forca que mora n`água
voltamos a navegar: eu, a bóia, a pedra e o rio
bato em novas pedras que aparecem a frente,
mas meu peso está maior, trago uma comigo
solto,
vejo com saudade e alívio a pedra sumindo rumo ao fundo da água
estou pronta para seguir com meu rio
eu e minha bóia
frágeis, expostas
não há o que eu possa fazer além de seguir o fluxo
do rio de água forte
minha vida,
meu corpo,
meu ser,
em constante movimento e transformação.

10 de março de 2017

íntimo

pareço dura
às vezes até sou
mas me emociono com pouco
criança sorrindo
choro de alegria
abraço forte
refrão de música
solos com instrumento de sopro

vento na cara
até parabéns pra você
andar de mão dada
lambida de cachorro
olho no olho
reunião de família
roda de violão
barulho de cachoeira
pôr-do-sol na praia
carinho no nuca

chegadas
mais que despedidas
matar saudade
deitar no colo
cheiro de manhã úmida
pisar na grama

tudo me emociona
enche meus olhos de lágrima
ainda que não escorram
embora eu pareça dura
e às vezes até seja

7 de março de 2017

falso-controle-vizinho



peguei minhas verdades
esmaguei todas com a mão
debaixo das unhas sobraram restos
esfreguei com escova grossa
às vezes procuro com os dentes
pedaços roídos
não servem - mais
cuspo

peguei meus sonhos
anotei num caderno sem pauta
risquei um bocado
sobraram aqueles que não consigo ler
todo dia penso nos rabiscos
invento significados
não anoto mais
rabisco meus próprios sonhos
quando vejo algum legível
derramo água em cima
garatujo

peguei meus desejos
vesti numa roupa púrpura que guardo há anos
sai com eles pra passear
nua
pegamos chuva e desbotamos
a cor dos desejos manchou minha pele molhada
escorrermos pelo ralo da rua de baixo
saneados, tornamo-nos água

bebo meus desejos todos os dias.

5 de março de 2017

visita

entra,
fecha a porta, mas não bate porque assusta o vizinho
ele é bebê e a essa hora da madrugada o sono é raro
escuto todas as noites o choro insone
e o cheiro de café

senta,
encosta tua perna na minha com certa distância
pra que eu sinta tua intenção e teu respeito
se aproxima devagar
deixa eu sentir teu cheiro daqui do outro lado
te desejar em silêncio

acende o cigarro no meu,
qualquer toque atiça minha libido
que agora pulsa em direção aos teus olhos
azuis como o céu de fim de tarde

inventa qualquer mentira que me faça rir
percebe os defeitos do meu rosto
me deixa sem reação quando fala do teu niilismo mentiroso
te desejo cada vez mais

deita,
minha cama é teu ninho agora
passa a mão nos meus cabelos curtos
eu cheiro os teus cabelos enormes
presos numa liga laranja

encosta todo teu corpo no meu
pedaço por pedaço
queixo
tórax
umbigo
pau
coxas
pés
mistura teu suor com o meu
o cheiro do nosso prazer

nina
me adormece com teus dedos compridos
passeando pela minha testa
assopra meus cílios pra ver o movimentos deles com teu vento

fica,
mas só até amanhecer
depois pega tuas roupas
teus traços
teu silêncio
e leva embora
me deixa a lembrança,
a saudade
o desejo
e morre.

1 de março de 2017

recado escrito com batom na parede

Meu bem,

Vem cá, deixa eu secar teu pranto com minha camisa suja de suor
Deita tua cabeça confusa no meu colo quente
Mexer no teu cabelo fazendo pequenos caracóis
Com meus dedos tortos

Acalma teu coração
Escuta a voz da tua respiração
Sente o cheiro do vento que passa pelas tuas narinas
A vida não é nada além disso,
Te prometo

Nada pode ser maior do que você tem por dentro
Seja dor, seja amor
Pega tua grandiosidade e encontra um lugar onde ela caiba
A dor vai te acompanhar onde quer que pises
Teus dias serão cinzentos e chuvosos
E tudo bem
Porque dentro é tudo tão grande que o calor da tua alma vai aquecer até os pequenos caracóis

Senta aqui
Toma um café, mas não muito
O coração acelera sozinho
Conversa comigo, fala das coisas ruins
Mas lembra das coisas boas também

Nada é do jeito que parece
É só um óculos que você usa pra vestir a sua verdade
A solidão
O silêncio
O medo
A vontade gigante de voar sem saber pra onde
O gosto de liberdade
O cheiro do vento que entra pelas narinas
A saudade das mágoas
O amor pelos instantes
Tudo isso é maior que o que há do lado de fora

Olha no espelho
Enxerga teu tamanho
Te abre pro mundo
Compreende teus desejos
Obedece quando quiser
Saiba querer
O beijo tácito
A mão trêmula
O passo intrépido

A vida não quer teu pranto.