3 de dezembro de 2015

ontem eu matei um leão


Ontem eu matei um leão.
Há dias difíceis para todos, em qualquer lugar do mundo. Há quem diga que a culpa é do inferno astral, do universo conspirando contra a gente, há quem jogue essa responsa pra gente, como aquelas pessoas que dizem que tudo está sob a perspectiva do olhar. Não do olhar,  mas do compreender o mundo, acho que é o pessoal da Gestalt que defende isso aí. Se você acorda de mau humor, achando que tudo está ruim, então o trânsito trava, chove e você ta sem guarda-chuva, e por aí vai. E o contrário também, se você acorda pensando que tudo vai dar certo, a probabilidade disso acontecer aumenta significativamente. Eu sou dessas que acreditam nisso.

Mas o que acontece é que esses pequenos problemas do dia a dia são o que realmente enfraquecem a gente. Tenho pensado muito nisso e cheguei à conclusão que nem todo mundo percebe que o grande desafio de morar numa “cidade grande” (aspas se fazem necessárias aqui) são os pequenos desafios diários que aparecem na nossa frente.

Ontem tive que andar cerca de 15 quadras. Cheguei na avenida onde deveria pegar o ônibus, mas estava congestionada. O motivo? Adolescentes haviam fechado um cruzamento, se manifestando contra uma maracutaia das baratas impostas pelo governo estadual para acabar ainda mais com o ensino público, que os próprios governantes chamam de “reorganização da educação no Estado de São Paulo”. Uma imbecilidade sem tamanho e sem respeito algum por aquelas crianças. Sim, crianças se organizam em movimento na luta pelos seus direitos. A resposta a isso foi uma tropa do choque violenta, que atirava bombas de gás naqueles estudantes injustiçados. A coragem e o nível de seriedade e organização dessa molecada é admirável e merece muito, muito respeito. Bem, sem querer, saindo do trabalho, eu estava la no meio, cercada por estudantes aos berros, policiais prontos para a guerra e jornalistas com suas câmeras fotográficas curiosas. E eu. Paraense, branca, de classe média e estudante de faculdade particular. Primeiro baque.

Resolvi apressar o passo, eu ainda tinha um longo caminho pela frente. Parei para imprimir e encadernar meu trabalho de conclusão de curso numa papelaria. De repente, escuto gritos e barulhos de bombas. Gentilmente, o dono fechou as portas e disse “moça, fique aqui dentro”. Optei pela minha segurança e fiquei escutando vozes que gritavam “filho da puta! é só uma criança!”; “seu filho estuda em escola pública, seu animal”, enquanto eram abafados pelo “boom” ensurdecedor (e igualmente idiota) das bombas que eram atiradas ali. Eu, incólume dentro do estabelecimento, fiquei andando de um lado para o outro dentro da gráfica, desesperada, escutando o governo atacando os protagonistas do nosso futuro. Segundo baque.

Saí da loja. OS estudantes já tinham dispersado e apenas a polícia ocupava a rua, caminhando sob gritos da população ao redor que alegavam com força seu repúdio aqueles militares. Segui andando e logo a frente dei de cara com um estudante sendo preso por “obstruir a rua. Repito: um  MENINO foi PRESO por OBSTRUIR A RUA. A cena era composta por um estudante rodeado por cerca de 10 militares, cercados por volta de 10 jornalistas e curiosos com suas câmeras que quase entraram a viatura que levara o rapaz. Me assustei com a situação, na mesma hora pensei na família desse garoto, na (falta de) consciência desses policiais e no absurdo que é o desserviço que a imprensa faz e deixa tudo nas mãos de “amadores”, que transmitem o acontecimento com muito compromisso. Terceiro baque.

Saí do tumulto e segui meu caminho até a universidade em que estudo para entregar o trabalho. Vejam vocês: crianças lutando nas ruas pelo direito de ir a escola e eu indo entregar meu tcc de pós-graduação numa das instituições mais conservadoras de São Paulo. Chegando lá, dei de cara com uma outra realidade. Vocês já pararam pra pensar no quanto esse lugar é uma cidade-mundo? De repente, a 15 minutos de metrô, nada acontecia, ninguém falava sobre manifestações, violência, educação pública. Dei de cara com uma cambada de playboys que estavam preocupados em que balada iam no sábado e se tinham seda para enrolar o beck antes de entrar na aula. A classe média/alta paulistana é de dar nojo, amigos. Acreditem. Quarto baque.

Bom, ao chegar na universidade, descobri que que precisava gravar um cd com o trabalho. Eram 20h e eu tinha 30 minutos para a entrega na secretaria. Eu corri com o computador na mão e a mochila nas costas por três gráficas até conseguir comprar um cd. Meu computador não grava. Corri a universidade inteira procurando alguém que pudesse me emprestar o computador para que gravasse. Consegui, na recepção da coordenação de graduação, um recepcionista nerd que poderia resolver meu problema. Eram 20h25. Gravamos o cd. O professor chegou para assinar a papelada necessária e eu consegui entregar tudo às 20h37. Alívio.

Depois de tudo isso, decidi que merecia tomar uma cerveja. Ter passado pelo manifesto dos meninos mexeu muito comigo e, afinal, eu tinha entregado meu tcc. Eu merecia tomar uma cerveja. Outra realidade: final da Copa do Brasil. Dezenas de homens vestidos de verde tomavam conta da calçada do meu prédio, gritando ensandecidos pela vitória do Palmeiras. Ninguém ali falava de manifestações, de educação pública, de violência policial ou de como a classe média paulistana e sua juventude são um lixo. Bizarro.

No final das contas, tomei minha merecida cerveja e fui dormir.


Ontem eu matei um leão. Matei um leão porque tive que lidar com várias realidades díspares, principalmente da minha, mas das quais eu faço parte e nem me dou conta. Ontem matei um leão porque mesmo encarando tudo isso, consegui fazer o que tinha para fazer, chegar em casa e dormir tranquila.  Mas não em paz. Porque esses pequenos desafios do dia a dia e todo esse absurdo com que temos que lidar, são o que enfraquecem quem mora numa “cidade-mundo”. Mas eu consegui. E eu consigo todos os dias.  

1 de dezembro de 2015

um texto pessimista e aleatório

Ela gosta de ficar sozinha em casa, acender um incenso pra abafar o cheiro do cigarro e ficar olhando pela janela.

Enquanto ela olha pela janela, gosta de contar quantas luzes estão acesas nos prédios vizinhos.

Quando acaba o cigarro, vem o nada. A solidão não é um problema, o que pesa mesmo é o vazio interno, aquele redemoinho que começa pelo nó na garganta e não se sabe onde acaba.

Ela pensa em ligar pra mãe, mas a mãe não tem coração pra aguentar um desabafo tão profundo, mas tão oco; ligar para o pai também não é uma boa opção, seu pai é cético demais e acha uma perda de tempo ficar pensando no que a gente tem por dentro; as amigas andam ocupadas demais com seus amores passageiros e desamores eternos.

Ela olha pro lado, vê o cachorro. Nos últimos tempos, é o abraço dele que tem aquecido esse coração que a cada dia que passa cria mais um cristalzinho de gelo.

"Vou trabalhar", ela pensa. É que a gente vive numa sociedade em que trabalhar - e consequentemente o dinheiro - são a solução para os problemas da vida. e de certa maneira são sim.

mas tenho certeza que a mega sena não ajudaria em nada nesse momento.

Ela ocupa a cabeça. ora faz tcc, ora produz, ora escreve textos filosóficos sobre algum programa de televisão. ela gosta de tecer teorias sobre programas de televisão.  Talvez assistir televisão seja a forma que ela encontra pra observar o comportamento do ser humano, em especial o brasileiro. É, é isso.

Ela gosta de olhar ao redor e prestar atenção em cada pessoa que a cerca: gosta de perceber o jeito que entoa as sílabas, o jeito que mexe as mãos e pra onde os olhos vão na hora que ele fala. Ela gosta de pessoas que sorriem com os olhos. Não tem coisa mais sincera do que sorrir com os olhos. E pra cada ação tem uma explicação.

Ela fuma um beck e escolhe uma música pra ouvir. Ela gosta de letra. Como nos filmes, onde ela presta mais atenção nos diálogos. As palavras são incríveis. É por isso que gosta de cinema brasileiro, música brasileira, porque tem a gente sabe que sentimento cada palavra tem. Chapada, ela viaja na letra das músicas que escuta - Tom Zé é uma fonte inesgotável de palavras em sintonia.

Ela tem um trabalho. Ela tem amigos. Ela tem um cachorro. Mas ela tenta, tenta e não consegue achar a si mesma. De repente, parece que perdeu suas certezas e convicções. Não se sente segura em opinar sobre alguma coisa porque se sente vulnerável demais a qualquer intervenção externa. Ela se sente livre. Nunca na vida sentiu tanta liberdade! Mas não sabe como lidar com isso, o que fazer, pra onde ir. 

De que adianta ser uma mulher bem sucedida, bem resolvida, admirada pelos amigos, família e não ser admirada por si mesma? Ela se sente livre. Livre de amarras, livre de convenções sociais, livre de obrigações. Mas alguma coisa a prende dentro de si mesma. 

Ela pensa, lê a respeito. Lê livro de sociologia. Lê livro de filosofia. Lê livro de religião. Vai no centro espírita tomar um passe. Vai no terreiro conversar com o cabôco. Vai na igreja rezar sozinha.  Nada acontece. Talvez a culpa de ser cética não a permita ser tão desapegada. Na verdade, o desapego assusta, e dói um pouquinho. A gente vive num mundo em que as relações interpessoais são a coisa mais importante do mundo. "Você tem que sempre manter as boas amizades e boas relações. É daqui pra cima!", dizia o pai, tentando orientar o melhor pra filha.  A gente aprende que a família é um laço que você não pode cortar jamais, uma raiz que você tem que cultivar pra poder colher os frutos lá na frente. A gente aprende que os amigos são a família que você escolhe ter,  que são aquelas pessoas que te dão o chão que você pode vir a perder. A gente aprender que namorado, marido tem que ser aquela pessoa que te apoia em tudo, que não te deixa na mão e que essa é uma relação onde todo mundo tem que ceder e que é uma plantinha que a gente tem que regar todo dia, tipo a da família.

Pois eu tenho feito o caminho contrário. 

Tem algum tempo que tenho experimentado a o melhor e o pior da solidão. As pessoas são rasas quando falam em solidão. Ligam diretamente com abandono ou com tristeza. Meu amor, solidão é um estado de espírito. Nunca te falaram que você pode estar no meio de um mar de gente e ainda assim se sentir sozinho? Todo mundo sabe disso. Sei lá, Cazuza deve ter falado algo sobre isso. Ou Clarice  Lispector.

Solidão envolve silêncio. Pensamento. Dúvida. Certeza. Arrependimento. Medo. Alegria. Tristeza. Choro. Gargalhada. Solidão envolve família. Amigos. Namorado. Marido. Cachorro. Solidão envolve o coração. Pulmão. Músculos. Solidão envolve diálogo. Digressão. Regressão. Progressão. 

Tem gente que passa por situações desumanas nesse mundão. Mas se a gente não aproveitar cada momentinho da nossa vida pra pensar um pouco no além, no que isso quer dizer, pra que isso acontece, você me desculpe, mas não faz sentido.

Há algum tempo a vida me disse: vou dar uma mudada aqui e ali pra ver como você se vira, tá bem? Então tá bem!

E a vida, essa sacana, me tirou as certezas que tinha. Me tirou amigos, me tirou família, me tirou namorado. Mas não me tirou à força, deu um jeitinho pra que eu mesma me desfizesse de todas as coisas "valiosas" que cativamos ao longo da nossa caminhada. É um exercício diário, difícil e desafiador. Todo dia me sinto sozinha. Todo dia sinto falta de alguém que não sei quem é.

No início achei que era da família. A gente acha que família é pra sempre e que nossa ligação com nossos pais e irmãos são além dessa vida. Sim, são. Mas se você, seus pais e seus irmãos não souberem lidar com ela, nada adianta. Se ninguém se dispor a abrir a consciência para enxergar o que a vida terrena nos escancara, de nada adianta. E foi assim que entendi que os laços sanguíneos e de família são eternos, mas não são mais importantes do que o que eu tenho para ensinar e aprender com eles. Certo dia, um amigo me disse "a gente tem que matar o nosso pai". Assusta? Assusta. Mas para um pouquinho e pensa no quanto isso é importante. A vida é sua, as escolhas são suas, você não precisa da aprovação de  ninguém. Eu ainda não matei meu pai. Mas já larguei da mão dele.

Depois, achei que eram os amigos a fonte de tamanha dor. Tem uma coisa que a gente sempre escuta e que é verdade: "o tempo mostra quem é nosso amigo e quem não é". Talvez essa tenha sido decepção maior do que descobrir que meus valores destoam do resto da minha família. Amigos te deixam de lado, amigos de trocam pela nova paquera, amigos não são sempre disponíveis a ouvir. amigos nem sempre te dão o melhor conselho. Na verdade, o que aprendi mesmo é que quanto menos conselho você pedir, melhor. É importante saber que apesar de amigos e de toda a afinidade (Afinal, algo os ligou, certo?), as pessoas são diferentes, os pensamentos, os princípios e as atitudes são diferentes. A gente tem que parar de pedir conselho pra amigo esperando que ele diga o que a gente quer ouvir; parar também de pedir conselho pra se auto sabotar e colocar a culpa em outrém quando algo dá errado. E foi aí que aprendi que não existe isso de "amigo de festa" e "amigo de verdade". Todos são amigos de festa. Basta você saber o que quer aprender com isso e o que quer ensinar. Mas para isso, é preciso que ambos estejam dispostos. O problema é que ninguém está.

E aí, finalmente, pensei: "deve ser namorado. Eu preciso de um namorado!". Eu tive um namorado maravilhoso por 6 anos. Não, foram quase 7 anos. O cara impressionantemente me conhecia como eu achei que não fosse possível. Sabia lidar com meus anseios de forma exemplar. Essa foi a unica relação com a qual eu realmente aprendi algo bom. Aprendi que o fim nem sempre é doloroso, que nem toda ruptura carrega algo ruim. Sobretudo, aprendi que o amor acabar não é o fim, que a transformação, a transmutação é a maior dádiva do ser humano consciente. Para sempre vou ser grata a esse cara por ter sido peça fundamental na construção da minha ideia de relacionamento. Mas descobri que nem sempre as pessoas entendem desse jeito. Ou melhor, quase ninguém. Olho para o lado e vejo meus amigos criando problemas onde não precisa ter, alimentando uma relação com um probleminha porque "sem nem um atrito não tem graça". Vejam vocês a que ponto a sociedade maluca chegou. Vejo amigos presos a relacionamentos doentios, nocivos para ambos, porque acham que é melhor estar assim com quem gosta do que estar em paz longe da pessoa. Me desculpem, amigos, eu jamais vou concordar com isso. Recentemente me apaixonei por um fulano. Ele tinha namorada e é claro que no final da história foi com ela que ele ficou. Doeu? Porra, doeu pra caralho. Dói até hoje. Não posso ouvir uma música específica que o olho já enche de lagrima.  E foi aí que aprendi de vez que as pessoas são diferentes. Que não posso esperar de alguém a reação que eu teria. E foi aí, exatamente aí, que percebi que a vida tá fazendo com que eu desapegue das certezas que eu tenho a cada dia que passa.

E eu vou seguindo o caminho contrário. Dói. Mas cada momento é valioso.




3 de novembro de 2015

tempo rei



Ei, você aí na minha frente. Você que sem perceber consegue me tirar o chão assim, em segundos. E na mesma velocidade, parece correr e me devolver a calma que tinha roubado instantes atrás. Você que desperta uma enxurrada de coisa boa dentro de mim que eu nem sabia que tinha mais. Você apareceu assim, de repente. Um grão quase invisível de gente. O tempo é um cara danado. Fez questão de me mostrar que é sua maior capacidade é mudar as coisas. Me fez perceber que eu podia ir bem além do que esperava. Todo esse negócio de ser sozinho te coloca provas que o coração duvida, a cabeça titubeia e os pés parecem andar em círculos. E aí você se fecha feito uma concha, escolhe se privar de viver e só vai ter essa chance quem for curioso o suficiente pra saber o que tem dentro. E tem toda aquela pressão social de se achar alguém que te tire o chão, te faça suspirar e a porra toda.

Não, eu não quero alguém assim. 

O tempo foi meu amigo e me fez o favor de me mostrar que o que importa mesmo é alguém não especial. E você é uma pessoa dessas não especiais. Você não me mexeu comigo no primeiro instante, não existe isso de paixão à primeira vista. Eu fiz questão de dar um passo de cada vez, percebendo cada traço, cada músculo. A cada dia eu olhava uma coisa nova.

Andei pra frente olhando pro lado sem saber o que me esperava. Dei de cara na parede. Mas fui em frente. Escolhi me testar. Escolhi te testar. Passamos no teste. Teu suor escorregou no meu corpo como escorrego em minhas certezas cada vez que te vejo. Como a intimidade que não precisamos criar, que já veio junto. 

Você que não é nada especial e que não me fez suspirar de amor, você que é meu mesmo sendo de outra pessoa, você que não faz ideia, mas conseguiu esticar um pouquinho a cabeça e ver o que tem dentro da concha, ainda que não entenda o que quer ver. Minha vontade é te puxar pelo cabelo e te trazer pra dentro comigo. Eu poderia segurar na mão do mesmo tempo que te trouxe e esperar que ele te leve. Mas eu não quero. É que tudo some quando você tá perto, entende? E eu não quero ver nada, eu quero ver você.

Meu coração virou mar. Às vezes fica calmo, sereno e brando. Outrora toma certa força que não sei da onde vem e transborda pelos poros. E eu tenho medo de mar. E você, você aí na minha frente, você que não é especial, tá no meio desse desbunde, como um maestro que rege a melodia do concerto. E de repente aprendi a nadar. Agora atravesso, chego ao outro lado e te espero como um cachorro espera o dono todo fim do dia. Te espero sem saber como você vai chegar. Não sei se vem inteiro, se vem cansado, sequer sei se você vem.  

Mas se vier, sê meu. Sê meu como já fomos e já somos um do outro, ainda que só dentro da concha.


8 de junho de 2015

carta para alguém não ler

Hoje eu decidi te escrever. Na verdade, hoje eu decidi escrever, e como eu tenho esse problema de falta de coragem de olhar na cara e falar, essa é a melhor oportunidade. Hoje eu vou escrever pra você não ler tudo aquilo que sempre quis te dizer e nunca disse.

Quando te conheci você foi qualquer um. Não reparei na cara, no cabelo, na voz, no sorriso. Se quer te dei boa noite antes de você já vir me pedindo um isqueiro. E como eu odeio gente que pede qualquer coisa. Ignorei sua presença do mesmo jeito que você ignorou a minha. Convivemos por horas e sequer trocamos olhares. Quando, de repente, você apareceu do nada no meio de todo mundo e me tascou um beijo. Ruim, inclusive. Apressado demais. Enfim, que se dane essa parte. Foi tão estranho o jeito que te conheci que não merece tanto parágrafo.

Mas aí você foi embora. E existem duas formas de partida: as que dóem e as que não fazem diferença. E a sua não fez a mínima. O tempo passou, as luzes apagaram e você acabou indo embora também de  mim.

Sumiu.

Sabe, um dia, enquanto eu tomava banho, lembrei de você.  E eu tenho essa coisa estranha de lembrar das pessoas e não lembrar como é o rosto delas. Já aconteceu com você? É desesperador. Você fica caçando as feições na memória como quem rói as unhas até lembrar daquela música que a sua amiga cantou uma vez no carro e você gostou muito. Pois é, acho que desde esse banho eu não esqueci mais de você.

Até que um dia você apareceu. De longe, quase não te reconheci. Mentira. Mesmo de longe eu sabia que era você. E meu coração disparou no mesmo segundo. Coisa de doido, mal lembrava da tua cara e só faltei mijar nas calças quando te vi. Fiquei tão nervosa que tive que pedir pra um amigo te chamar. Ai, como sou moleca! Nos vimos por segundos, eu tava ali conversando com teus amigos, mas cheia, encharcada de saudade. Saudade sei lá do quê, se passamos minutos nos beijando. Aí eu senti que algo foi construído, O quê, eu também não sei. Nos falamos por alguns dias. Eu conheci você mentindo, pra mim, pra outros. Não te levava a sério. Não te levo a sério.

Mas aí você começou a me falar um monte de coisas bonitinhas, dessas que derretem o coração de alguém. E eu te avisei que não se faz isso com o coração de uma canceriana como eu. Claro que acreditei. E foi legal acreditar! Eu tava há tanto tempo oca por dentro que até um punhado de "mentiras sinceras" eram capazes de mexer comigo. E eu acho que são sinceras sim, me desculpem os amigos céticos (ou certos) que me desdizem tudo que você fala. No fundo, alguma coisa minha mexeu contigo também. Só não sei se você entendeu isso ainda. Ou se fingiu muito bem.

E aí você foi embora de novo.
E doeu. Dessa vez doeu.

Mas foi dor pouca. Você passou uns dias morando na minha cabeça de novo, mas logo foi embora. Só que dessa vez você não foi por completo. Eu nem sei qual é teu cheiro, mas ele ficou no meu travesseiro, daquelas vezes que a gente nem transava, mas dormia agarrado a noite inteira. Eu já até tinha me habituado ao barulho do teu ronco- e sabia como você parar sem perceber nem acordar. Sabe, você é uma bagunça que eu gosto, eu gostaria de ajudar a arrumar - e bagunçar um pouquinho de novo. Mas você parece lidar muito bem com o fato de ninguém arrumar sua bagunça.

Mas você foi embora. De novo.
Agora doeu mais.

Olha, no meio de umas das mentiras que você me contou, teve uma que ficou me martelando, que foi quando você disse que a gente parece demais, que tem coisas que eu falo que pareceram ter saído da tua boca. Sei lá como, de alguma forma eu me identifico com a tua loucura, com o teu momento. De alguma forma eu consigo entender. Olhos alheios dizem que é paixão, que é besteira da minha cabeça dar importância a alguém tão egoísta como você. Mas eu não. Sei que eu tô aí em algum cantinho escondido.

Eu não sei onde você tá agora. Acho até que não gostaria mesmo de saber. Se você não tá aqui do meu lado dividindo esse cigarro, é porque tem algum lugar que te sirva mais do que meu colo. Eu só queria te pedir, meu coração, que não desfaça essa sua imagem que criei com tanto carinho dentro de mim. Você me feriu um pouquinho, mas eu ainda tenho um baú de prata feito a luz do luar cheio de amor e saudade cultivadas só pra você. Não erra mais não. Quando te olhei nos olhos, te pedi que não fosse meu, mas que fosse verdadeiro. E você não foi. Não quero você pra mim, quero que o mundo seja seu, que você voe alto, mas que me leve junto, mesmo que num cantinho escondido aí dentro. Você tá guardado em mim numa gaveta que está sempre pronta pra ser aberta pra quando você chegar. Mas quando chegar, se um dia você chegar, sê verdadeiro. Sê inteiro, mesmo que a gente só se beije por minutos de novo.

E quando for embora, beija minha testa e bate a porta da frente. Chega de partir pela porta dos fundos, com a luz apagada, deixando comigo um par de meias verdades e um maço de vazio de vontade de você.

E volta.


17 de janeiro de 2015

as vantagens do presente

há algum tempo fiquei solteira. engraçado o quanto essa frase pode soar desimportante. mas às vezes não. às vezes, não mesmo. vejo outros casais se desfazendo por aí e sempre penso no quão difícil pode ser se desligar de uma pessoa tão próxima e tão boa e que parece ter sido feita pra gente. mas dessa vez foi diferente, talvez por ter sido definitivo- definitivo mesmo, não como nas outras vezes em que  gritamos “dessa vez é pra sempre” a cada discussão. terminamos o namoro (sempre imagino um dramão quando escuto isso) de forma sóbria e justa. justa porque não era o que estava sendo aquela relação perfeita e estável. de repente, resolvi me livrar de tudo que me fazia bem. Pra me aventurar com o desconhecido e, principalmente, me aventurar comigo mesma.

mas o que quero dizer é que as relações, todas elas, são o que me dão força pra viver. eu deveria achar uma profissão que mexesse com isso. deve ser por isso que me interesso tanto por sociologia (a urbana é incrível). o comportamento humano é fascinante! não me canso de dizer isso. E como admiradora e observadora de pessoas e suas relações, não é por acaso que também são meu ponto fraco. nasci com um aliado: meu signo. não, eu não acredito em horóscopo, mas gosto de ser canceriana. segundo sei lá quem, tem  características com as quais me identifico muito e respeito também. também não ligo pra quem acredita, tenho um monte de amigas esotéricas que ligam tudo automaticamente à astrologia e eu na realidade acho isso mó legal. olha só no que a mente da gente pode nos levar a crer! crença é uma parada forte.

Mas o que eu quero dizer mesmo é que, como uma exímia canceriana, eu vivo apaixonada. tô sempre com algum carinha na cabeça, e muitas vezes nem sou recompensada. e na verdade, eu nem ligo muito pra isso. tá, só em alguns casos. mas como fiquei solteira depois de uns bons anos namorando (seis e uns quebrados), tenho redescoberto algumas façanhas da paquera, do dar e não dar certo, da paixão avassaladora que some em horas, da decepção previsível que dói por semanas e depois some junto com a paixão.

por algum tempo fiquei perdida, achando que qualquer cara que conhecesse pudesse ser o meu próximo namorado. imaginava a gente fazendo aquela viagem de carro até a bahia que sempre quis tanto fazer. queria conhecer alguém pra levar pra belém e mostrar todas as pequenas coisas maravilhosas que têm naquela cidade. mas aí depois chegou o tempo em que eu achei que ninguém pudesse ser meu próximo namorado. cada cara que conhecia já pisava na bola (até mesmo sem perceber) logo cedo, e aí eu já enchia o saco. mas aí percebi que tava começando a desacreditar no amor.

hoje eu não sei que fase estou, mas sei que não me encaixo em nenhuma das anteriores. talvez quando eu descobrir conte pra você de novo. mas é que agora eu não sei mesmo, acho que não tô sem opinião sobre esse quesito da minha vida, sabe? pois é.

mas e aí, como uma curiosa canceriana, começo a atentar aos pequenos detalhes dos pequenos momentos. sim, porque quando a gente tá solteiro a gente tem a sorte de ter um montão de pequenos momentos. e aí é legal, porque você aproveita rapidinho o que vai acabar, aí você fica um pouquinho mais feliz, coisa besta, e aí tá pronto pra outra. que pode ser boa ou não, também faz parte. e eu não tô falando de transa não, tô falando de cada momentinho mesmo. é aí que finalmente chego onde queria chegar. os pequenos detalhes, aqueles que aguçam alguma coisa aqui dentro.

-tenho pensado no quanto gosto de pequenos detalhes. gosto de olhar aquele colar que o cara usava, só porque toda vez que vejo ele numa foto usando aquela coisa meio indígena, lembro que naquela noite eu viajei pra caramba olhando aquele colar. e o quanto ele combinava com o tom da sua pele.

-gosto de quando você vira pro lado direito, porque tem um sinal perto da sua barba e ele é bem bonitinho. também fica perto da sua covinha, que só tem no lado direito, que dá mais charme ao charme que covinhas naturalmente têm.

-às vezes rio sozinha do seu sotaque, que deixa com que algumas palavras saiam muito engraçadas da sua boca. e você ri enquanto fala! tem coisa mais apaixonante do que gente que ri enquanto fala? tem não!

-você é um pouco mais alto que eu, né não? acho que é sim, porque lembro de gostar da sua altura. eu não gosto de caras muito altos, mas também acho estranho pegar um cara do meu tamanho, sei lá, coisa de doido. mas eu lembro que você tem uma altura perfeita. sei disso porque quando eu te abraçava rapidinho (naqueles inusitados encontros no metrô) meu nariz ficava na direção do seu pescoço e eu sentia o seu perfume meio amadeirado.

-e várias outras coisas. tipo a cara que você faz quando dança. acha que tá arrasando, mas tá péssimo. tá sempre péssimo, você é desengonçado dançando. mas é legal ver você curtindo um som, e aí dá vontade de dançar junto.

e aí, quando lembro dessas coisas, penso no que é meu que pode ter ficado em alguém, como o de cada pessoa que passa pela minha vida fica. pode ser presunção achar que deixo algo na vida de todas as pessoas que me envolvo de alguma forma. mas também é pessimismo demais consigo achar que não. então, penso no quantos pequenas paixões como essas ainda me restam ter e no quantos grandes momentinhos como esses tenho de viver e proporcionar a pessoas legais por aí.

um viva aos pequenos grandes momentos, às grande pequenas paixões e à vida.

eu provavelmente não vou ler esse texto nunca mais, então, não levem a sério. é só uma conversa comigo mesma.