26 de setembro de 2016

cacto



meu amor morreu de morte prematura
hoje ando em cordas bambas de histórias que não vivo
tudo que sonhei virou água. e eu dei descarga
mas tudo que vira agua volta um dia
a água não é como o ar, que passa por tudo e vai embora sem a gente ver
a agua tem cheiro. tem gosto. tem cor.
meus sonhos viraram agua e eu posso vê-los
lá no fundo
escuto seu barulho.
os ruídos que sempre fiz por onde quer que fosse
meu corpo presente
minh'alma infinita
essa água é filho meu
tem sangue meu na água que se foi pelo esgoto
respiro o ar que não vejo enquanto não toco a agua que sou eu
meu amor morreu de morte prematura
levou consigo todas as doçuras que ensaiei sentir
por quem nunca conheci
meu amor é como meus sonhos
feito de água
e água não e que nem ar
a água faz barulho. tem gosto. tem cheiro. tem cor.
e volta.



9 de setembro de 2016

Sonhei com você e foi tão triste.

Éramos vizinhos. Eu morava numa casa branca com uma amiga, no nosso quintal suspenso haviam rosas vermelhas e muitas outras plantas. Também tinha um banquinho de madeira maciça feito à mão pela minha mãe, onde eu gostava de sentar e fumar um cigarro. Ao meu lado havia você. Você e sua esposa. Moravam numa casa amarela que ficava parede com parde com a minha branquinha. Na sua varanda cercada por um ferro preto com arabescos provençais tinha um vaso de flores rosinhas, parecidas com as que tatutei no ombro. Sonhei com você e foi tão triste. No sonho eu estava, como de costume, fumando um cigarro antes de dormir, me tremendo de frio e balançando os pés no ritmo de alguma música que não lembro qual era. Devia ser Los Hermanos, vi o documentário deles hoje. Olhei pro lado e vi sua mulher. Linda, vestindo apenas uma calcinha e regata brancas. Ela não sentia frio. Logo apareceu você, sem camisa, vestindo uma samba canção desbotada. Você acendeu um cigarro. E você nem fuma! Deviam ter acabado de trepar, todo mundo sabe que não tem coisa melhor do que fumar um cigarro depois de trepar. Fiquei lá. Não fugi de vê-lo, como de costume. Fiquei assistindo vocês conversarem como quem assiste a um pedaço de série já vista, com interesse e desdém ao mesmo tempo. E de repente você me olhou através dela. Nossos olhos se cruzaram rapida e profundamente e você fugiu, como de costume. Sonhei com você e foi tão triste. Acordei assustada e quis logo escrever. Tenho escrito muito esses dias. Tudo que me vem à cabeça vira texto. Vira filme. Vira sonho. Agora me esforço pra lembrar o que sonhei de tão triste na medida em que me esforço também pra lembrar como eram seus olhos e sua voz e seu rosto. Eu esqueci tudo. Como de costume.

7 de abril de 2016

se o caso é chorar

o efêmero não foi feito pra mim.

tudo bem que a gente vive em 2016, as coisas acontecem com uma rapidez quase inacreditável e a fluidez da internet tomou conta dos acontecimentos da vida da gente. os dias correm, você acorda pra ir trabalhar e do nada já tá no trânsito de volta pra casa. ontem tomei banho de ervas para receber o ano que se iniciava e já tô pensando no que vou fazer no natal. tá, tudo bem que o mundo hoje em dia é assim,  mas olha, esse negócio de efemeridade definitivamente não foi feito pra mim.  quer dizer, eu acho. se bem que "definitivamente" e "eu acho" são meio antagônicos. mas que não é?

como boa canceriana - sempre atribuo essa sensibilidade aflorada ao meu signo, até o dia em que compreender de fato o que é isso - tenho uma espécie de dom de caçar caraminholas dentro da cabeça. tudo é motivo: trânsito parado, cigarro no meio do expediente, passeio com cachorro. já vi uns memes na internet e percebi que não é só comigo que isso acontece (ufa!), mas o que importa é essa capacidade maluca que minha mente ansiosa tem de me levar a universos absurdos em questão de segundos. às vezes vou pra frente, às vezes vou pra trás.

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penso em você todo dia. é sério, todo santo dia você me vem à cabeça em algum momento. sabe, quando eu volto do trabalho, passo por uma rua perto da sua casa. é só perto e eu nem sei onde você mora direito. mas passo de ônibus e fico te procurando, como se fosse possível  te ver andando de volta pra casa numa dessas passagens. como se algo fosse acontecer caso eu te visse. mas eu te procuro. todos os dias. me diz se tem coisa mais idiota do que isso! tem meses que você sumiu e me mandou pastar, mas ainda fico rindo sozinha de memes na internet e penso que você riria junto. queria te mandar um oi, ouvir tua voz, não lembro mais como ela é. achei uma foto sua no meu celular. era a única lembrança que tinha, de quando você cortou o bigode e ficou parecido com o wagner moura em "narcos", lembra? instantes depois me roubaram o telefone. me roubaram a única coisa que me sobrou de você. agora tenho que ficar procurando evidências de você em mim. ainda me resta tame impala, que a gente ouviu junto por uns bons meses. mas nem isso tá adiantando. você tá escorrendo pelo ralo, virou areia na minha mão, o tempo tá te levando. olha, esse negócio de efemeridade definitivamente não foi feito pra mim.
quer dizer, eu acho.

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me assusto com a quantidade de pensamentos que passeiam pela minha cabeça. de manhã, quero morrer. é certo que os piores desejos me ocorrem pela manhã. o desapego do que deveria ser cuidado, a nostalgia do que não existe, a vontade de viajar e não poder, a saudade da casa que não é mais minha, a ânsia pelo colo que nunca tive. tomo café pra acordar.

de tarde me acalmo. quero sombra. a sobriedade da rotina. a certeza de voltar pra casa, a casa que é minha. o sol caindo deixa o coração bater mais devagar. a música muda. a dor virou felicidade. penso no futuro, esqueço o passado. hora de fazer piada com a vida comum. o clima é ameno e a alma também.

à noite escureço.a euforia do luar toma conta do meu coração. quero sair. beber.canto alto. logo passa. quero deitar. colo de mãe. colo de namorado. colo de amiga. não tem nada mais valioso do que o aconchego do cheiro de ovo frito. a vida dá uma reviravolta. de dento de casa, sinto falta de casa, a casa que não é minha. saudade do que não existiu. ansiedade pelo que não virá. amanhã será um novo dia, um dia melhor. mentira. olha, esse negócio de efemeridade definitivamente não foi feito pra mim.
quer dizer, eu acho.