3 de dezembro de 2015

ontem eu matei um leão


Ontem eu matei um leão.
Há dias difíceis para todos, em qualquer lugar do mundo. Há quem diga que a culpa é do inferno astral, do universo conspirando contra a gente, há quem jogue essa responsa pra gente, como aquelas pessoas que dizem que tudo está sob a perspectiva do olhar. Não do olhar,  mas do compreender o mundo, acho que é o pessoal da Gestalt que defende isso aí. Se você acorda de mau humor, achando que tudo está ruim, então o trânsito trava, chove e você ta sem guarda-chuva, e por aí vai. E o contrário também, se você acorda pensando que tudo vai dar certo, a probabilidade disso acontecer aumenta significativamente. Eu sou dessas que acreditam nisso.

Mas o que acontece é que esses pequenos problemas do dia a dia são o que realmente enfraquecem a gente. Tenho pensado muito nisso e cheguei à conclusão que nem todo mundo percebe que o grande desafio de morar numa “cidade grande” (aspas se fazem necessárias aqui) são os pequenos desafios diários que aparecem na nossa frente.

Ontem tive que andar cerca de 15 quadras. Cheguei na avenida onde deveria pegar o ônibus, mas estava congestionada. O motivo? Adolescentes haviam fechado um cruzamento, se manifestando contra uma maracutaia das baratas impostas pelo governo estadual para acabar ainda mais com o ensino público, que os próprios governantes chamam de “reorganização da educação no Estado de São Paulo”. Uma imbecilidade sem tamanho e sem respeito algum por aquelas crianças. Sim, crianças se organizam em movimento na luta pelos seus direitos. A resposta a isso foi uma tropa do choque violenta, que atirava bombas de gás naqueles estudantes injustiçados. A coragem e o nível de seriedade e organização dessa molecada é admirável e merece muito, muito respeito. Bem, sem querer, saindo do trabalho, eu estava la no meio, cercada por estudantes aos berros, policiais prontos para a guerra e jornalistas com suas câmeras fotográficas curiosas. E eu. Paraense, branca, de classe média e estudante de faculdade particular. Primeiro baque.

Resolvi apressar o passo, eu ainda tinha um longo caminho pela frente. Parei para imprimir e encadernar meu trabalho de conclusão de curso numa papelaria. De repente, escuto gritos e barulhos de bombas. Gentilmente, o dono fechou as portas e disse “moça, fique aqui dentro”. Optei pela minha segurança e fiquei escutando vozes que gritavam “filho da puta! é só uma criança!”; “seu filho estuda em escola pública, seu animal”, enquanto eram abafados pelo “boom” ensurdecedor (e igualmente idiota) das bombas que eram atiradas ali. Eu, incólume dentro do estabelecimento, fiquei andando de um lado para o outro dentro da gráfica, desesperada, escutando o governo atacando os protagonistas do nosso futuro. Segundo baque.

Saí da loja. OS estudantes já tinham dispersado e apenas a polícia ocupava a rua, caminhando sob gritos da população ao redor que alegavam com força seu repúdio aqueles militares. Segui andando e logo a frente dei de cara com um estudante sendo preso por “obstruir a rua. Repito: um  MENINO foi PRESO por OBSTRUIR A RUA. A cena era composta por um estudante rodeado por cerca de 10 militares, cercados por volta de 10 jornalistas e curiosos com suas câmeras que quase entraram a viatura que levara o rapaz. Me assustei com a situação, na mesma hora pensei na família desse garoto, na (falta de) consciência desses policiais e no absurdo que é o desserviço que a imprensa faz e deixa tudo nas mãos de “amadores”, que transmitem o acontecimento com muito compromisso. Terceiro baque.

Saí do tumulto e segui meu caminho até a universidade em que estudo para entregar o trabalho. Vejam vocês: crianças lutando nas ruas pelo direito de ir a escola e eu indo entregar meu tcc de pós-graduação numa das instituições mais conservadoras de São Paulo. Chegando lá, dei de cara com uma outra realidade. Vocês já pararam pra pensar no quanto esse lugar é uma cidade-mundo? De repente, a 15 minutos de metrô, nada acontecia, ninguém falava sobre manifestações, violência, educação pública. Dei de cara com uma cambada de playboys que estavam preocupados em que balada iam no sábado e se tinham seda para enrolar o beck antes de entrar na aula. A classe média/alta paulistana é de dar nojo, amigos. Acreditem. Quarto baque.

Bom, ao chegar na universidade, descobri que que precisava gravar um cd com o trabalho. Eram 20h e eu tinha 30 minutos para a entrega na secretaria. Eu corri com o computador na mão e a mochila nas costas por três gráficas até conseguir comprar um cd. Meu computador não grava. Corri a universidade inteira procurando alguém que pudesse me emprestar o computador para que gravasse. Consegui, na recepção da coordenação de graduação, um recepcionista nerd que poderia resolver meu problema. Eram 20h25. Gravamos o cd. O professor chegou para assinar a papelada necessária e eu consegui entregar tudo às 20h37. Alívio.

Depois de tudo isso, decidi que merecia tomar uma cerveja. Ter passado pelo manifesto dos meninos mexeu muito comigo e, afinal, eu tinha entregado meu tcc. Eu merecia tomar uma cerveja. Outra realidade: final da Copa do Brasil. Dezenas de homens vestidos de verde tomavam conta da calçada do meu prédio, gritando ensandecidos pela vitória do Palmeiras. Ninguém ali falava de manifestações, de educação pública, de violência policial ou de como a classe média paulistana e sua juventude são um lixo. Bizarro.

No final das contas, tomei minha merecida cerveja e fui dormir.


Ontem eu matei um leão. Matei um leão porque tive que lidar com várias realidades díspares, principalmente da minha, mas das quais eu faço parte e nem me dou conta. Ontem matei um leão porque mesmo encarando tudo isso, consegui fazer o que tinha para fazer, chegar em casa e dormir tranquila.  Mas não em paz. Porque esses pequenos desafios do dia a dia e todo esse absurdo com que temos que lidar, são o que enfraquecem quem mora numa “cidade-mundo”. Mas eu consegui. E eu consigo todos os dias.  

1 de dezembro de 2015

um texto pessimista e aleatório

Ela gosta de ficar sozinha em casa, acender um incenso pra abafar o cheiro do cigarro e ficar olhando pela janela.

Enquanto ela olha pela janela, gosta de contar quantas luzes estão acesas nos prédios vizinhos.

Quando acaba o cigarro, vem o nada. A solidão não é um problema, o que pesa mesmo é o vazio interno, aquele redemoinho que começa pelo nó na garganta e não se sabe onde acaba.

Ela pensa em ligar pra mãe, mas a mãe não tem coração pra aguentar um desabafo tão profundo, mas tão oco; ligar para o pai também não é uma boa opção, seu pai é cético demais e acha uma perda de tempo ficar pensando no que a gente tem por dentro; as amigas andam ocupadas demais com seus amores passageiros e desamores eternos.

Ela olha pro lado, vê o cachorro. Nos últimos tempos, é o abraço dele que tem aquecido esse coração que a cada dia que passa cria mais um cristalzinho de gelo.

"Vou trabalhar", ela pensa. É que a gente vive numa sociedade em que trabalhar - e consequentemente o dinheiro - são a solução para os problemas da vida. e de certa maneira são sim.

mas tenho certeza que a mega sena não ajudaria em nada nesse momento.

Ela ocupa a cabeça. ora faz tcc, ora produz, ora escreve textos filosóficos sobre algum programa de televisão. ela gosta de tecer teorias sobre programas de televisão.  Talvez assistir televisão seja a forma que ela encontra pra observar o comportamento do ser humano, em especial o brasileiro. É, é isso.

Ela gosta de olhar ao redor e prestar atenção em cada pessoa que a cerca: gosta de perceber o jeito que entoa as sílabas, o jeito que mexe as mãos e pra onde os olhos vão na hora que ele fala. Ela gosta de pessoas que sorriem com os olhos. Não tem coisa mais sincera do que sorrir com os olhos. E pra cada ação tem uma explicação.

Ela fuma um beck e escolhe uma música pra ouvir. Ela gosta de letra. Como nos filmes, onde ela presta mais atenção nos diálogos. As palavras são incríveis. É por isso que gosta de cinema brasileiro, música brasileira, porque tem a gente sabe que sentimento cada palavra tem. Chapada, ela viaja na letra das músicas que escuta - Tom Zé é uma fonte inesgotável de palavras em sintonia.

Ela tem um trabalho. Ela tem amigos. Ela tem um cachorro. Mas ela tenta, tenta e não consegue achar a si mesma. De repente, parece que perdeu suas certezas e convicções. Não se sente segura em opinar sobre alguma coisa porque se sente vulnerável demais a qualquer intervenção externa. Ela se sente livre. Nunca na vida sentiu tanta liberdade! Mas não sabe como lidar com isso, o que fazer, pra onde ir. 

De que adianta ser uma mulher bem sucedida, bem resolvida, admirada pelos amigos, família e não ser admirada por si mesma? Ela se sente livre. Livre de amarras, livre de convenções sociais, livre de obrigações. Mas alguma coisa a prende dentro de si mesma. 

Ela pensa, lê a respeito. Lê livro de sociologia. Lê livro de filosofia. Lê livro de religião. Vai no centro espírita tomar um passe. Vai no terreiro conversar com o cabôco. Vai na igreja rezar sozinha.  Nada acontece. Talvez a culpa de ser cética não a permita ser tão desapegada. Na verdade, o desapego assusta, e dói um pouquinho. A gente vive num mundo em que as relações interpessoais são a coisa mais importante do mundo. "Você tem que sempre manter as boas amizades e boas relações. É daqui pra cima!", dizia o pai, tentando orientar o melhor pra filha.  A gente aprende que a família é um laço que você não pode cortar jamais, uma raiz que você tem que cultivar pra poder colher os frutos lá na frente. A gente aprende que os amigos são a família que você escolhe ter,  que são aquelas pessoas que te dão o chão que você pode vir a perder. A gente aprender que namorado, marido tem que ser aquela pessoa que te apoia em tudo, que não te deixa na mão e que essa é uma relação onde todo mundo tem que ceder e que é uma plantinha que a gente tem que regar todo dia, tipo a da família.

Pois eu tenho feito o caminho contrário. 

Tem algum tempo que tenho experimentado a o melhor e o pior da solidão. As pessoas são rasas quando falam em solidão. Ligam diretamente com abandono ou com tristeza. Meu amor, solidão é um estado de espírito. Nunca te falaram que você pode estar no meio de um mar de gente e ainda assim se sentir sozinho? Todo mundo sabe disso. Sei lá, Cazuza deve ter falado algo sobre isso. Ou Clarice  Lispector.

Solidão envolve silêncio. Pensamento. Dúvida. Certeza. Arrependimento. Medo. Alegria. Tristeza. Choro. Gargalhada. Solidão envolve família. Amigos. Namorado. Marido. Cachorro. Solidão envolve o coração. Pulmão. Músculos. Solidão envolve diálogo. Digressão. Regressão. Progressão. 

Tem gente que passa por situações desumanas nesse mundão. Mas se a gente não aproveitar cada momentinho da nossa vida pra pensar um pouco no além, no que isso quer dizer, pra que isso acontece, você me desculpe, mas não faz sentido.

Há algum tempo a vida me disse: vou dar uma mudada aqui e ali pra ver como você se vira, tá bem? Então tá bem!

E a vida, essa sacana, me tirou as certezas que tinha. Me tirou amigos, me tirou família, me tirou namorado. Mas não me tirou à força, deu um jeitinho pra que eu mesma me desfizesse de todas as coisas "valiosas" que cativamos ao longo da nossa caminhada. É um exercício diário, difícil e desafiador. Todo dia me sinto sozinha. Todo dia sinto falta de alguém que não sei quem é.

No início achei que era da família. A gente acha que família é pra sempre e que nossa ligação com nossos pais e irmãos são além dessa vida. Sim, são. Mas se você, seus pais e seus irmãos não souberem lidar com ela, nada adianta. Se ninguém se dispor a abrir a consciência para enxergar o que a vida terrena nos escancara, de nada adianta. E foi assim que entendi que os laços sanguíneos e de família são eternos, mas não são mais importantes do que o que eu tenho para ensinar e aprender com eles. Certo dia, um amigo me disse "a gente tem que matar o nosso pai". Assusta? Assusta. Mas para um pouquinho e pensa no quanto isso é importante. A vida é sua, as escolhas são suas, você não precisa da aprovação de  ninguém. Eu ainda não matei meu pai. Mas já larguei da mão dele.

Depois, achei que eram os amigos a fonte de tamanha dor. Tem uma coisa que a gente sempre escuta e que é verdade: "o tempo mostra quem é nosso amigo e quem não é". Talvez essa tenha sido decepção maior do que descobrir que meus valores destoam do resto da minha família. Amigos te deixam de lado, amigos de trocam pela nova paquera, amigos não são sempre disponíveis a ouvir. amigos nem sempre te dão o melhor conselho. Na verdade, o que aprendi mesmo é que quanto menos conselho você pedir, melhor. É importante saber que apesar de amigos e de toda a afinidade (Afinal, algo os ligou, certo?), as pessoas são diferentes, os pensamentos, os princípios e as atitudes são diferentes. A gente tem que parar de pedir conselho pra amigo esperando que ele diga o que a gente quer ouvir; parar também de pedir conselho pra se auto sabotar e colocar a culpa em outrém quando algo dá errado. E foi aí que aprendi que não existe isso de "amigo de festa" e "amigo de verdade". Todos são amigos de festa. Basta você saber o que quer aprender com isso e o que quer ensinar. Mas para isso, é preciso que ambos estejam dispostos. O problema é que ninguém está.

E aí, finalmente, pensei: "deve ser namorado. Eu preciso de um namorado!". Eu tive um namorado maravilhoso por 6 anos. Não, foram quase 7 anos. O cara impressionantemente me conhecia como eu achei que não fosse possível. Sabia lidar com meus anseios de forma exemplar. Essa foi a unica relação com a qual eu realmente aprendi algo bom. Aprendi que o fim nem sempre é doloroso, que nem toda ruptura carrega algo ruim. Sobretudo, aprendi que o amor acabar não é o fim, que a transformação, a transmutação é a maior dádiva do ser humano consciente. Para sempre vou ser grata a esse cara por ter sido peça fundamental na construção da minha ideia de relacionamento. Mas descobri que nem sempre as pessoas entendem desse jeito. Ou melhor, quase ninguém. Olho para o lado e vejo meus amigos criando problemas onde não precisa ter, alimentando uma relação com um probleminha porque "sem nem um atrito não tem graça". Vejam vocês a que ponto a sociedade maluca chegou. Vejo amigos presos a relacionamentos doentios, nocivos para ambos, porque acham que é melhor estar assim com quem gosta do que estar em paz longe da pessoa. Me desculpem, amigos, eu jamais vou concordar com isso. Recentemente me apaixonei por um fulano. Ele tinha namorada e é claro que no final da história foi com ela que ele ficou. Doeu? Porra, doeu pra caralho. Dói até hoje. Não posso ouvir uma música específica que o olho já enche de lagrima.  E foi aí que aprendi de vez que as pessoas são diferentes. Que não posso esperar de alguém a reação que eu teria. E foi aí, exatamente aí, que percebi que a vida tá fazendo com que eu desapegue das certezas que eu tenho a cada dia que passa.

E eu vou seguindo o caminho contrário. Dói. Mas cada momento é valioso.