8 de junho de 2015

carta para alguém não ler

Hoje eu decidi te escrever. Na verdade, hoje eu decidi escrever, e como eu tenho esse problema de falta de coragem de olhar na cara e falar, essa é a melhor oportunidade. Hoje eu vou escrever pra você não ler tudo aquilo que sempre quis te dizer e nunca disse.

Quando te conheci você foi qualquer um. Não reparei na cara, no cabelo, na voz, no sorriso. Se quer te dei boa noite antes de você já vir me pedindo um isqueiro. E como eu odeio gente que pede qualquer coisa. Ignorei sua presença do mesmo jeito que você ignorou a minha. Convivemos por horas e sequer trocamos olhares. Quando, de repente, você apareceu do nada no meio de todo mundo e me tascou um beijo. Ruim, inclusive. Apressado demais. Enfim, que se dane essa parte. Foi tão estranho o jeito que te conheci que não merece tanto parágrafo.

Mas aí você foi embora. E existem duas formas de partida: as que dóem e as que não fazem diferença. E a sua não fez a mínima. O tempo passou, as luzes apagaram e você acabou indo embora também de  mim.

Sumiu.

Sabe, um dia, enquanto eu tomava banho, lembrei de você.  E eu tenho essa coisa estranha de lembrar das pessoas e não lembrar como é o rosto delas. Já aconteceu com você? É desesperador. Você fica caçando as feições na memória como quem rói as unhas até lembrar daquela música que a sua amiga cantou uma vez no carro e você gostou muito. Pois é, acho que desde esse banho eu não esqueci mais de você.

Até que um dia você apareceu. De longe, quase não te reconheci. Mentira. Mesmo de longe eu sabia que era você. E meu coração disparou no mesmo segundo. Coisa de doido, mal lembrava da tua cara e só faltei mijar nas calças quando te vi. Fiquei tão nervosa que tive que pedir pra um amigo te chamar. Ai, como sou moleca! Nos vimos por segundos, eu tava ali conversando com teus amigos, mas cheia, encharcada de saudade. Saudade sei lá do quê, se passamos minutos nos beijando. Aí eu senti que algo foi construído, O quê, eu também não sei. Nos falamos por alguns dias. Eu conheci você mentindo, pra mim, pra outros. Não te levava a sério. Não te levo a sério.

Mas aí você começou a me falar um monte de coisas bonitinhas, dessas que derretem o coração de alguém. E eu te avisei que não se faz isso com o coração de uma canceriana como eu. Claro que acreditei. E foi legal acreditar! Eu tava há tanto tempo oca por dentro que até um punhado de "mentiras sinceras" eram capazes de mexer comigo. E eu acho que são sinceras sim, me desculpem os amigos céticos (ou certos) que me desdizem tudo que você fala. No fundo, alguma coisa minha mexeu contigo também. Só não sei se você entendeu isso ainda. Ou se fingiu muito bem.

E aí você foi embora de novo.
E doeu. Dessa vez doeu.

Mas foi dor pouca. Você passou uns dias morando na minha cabeça de novo, mas logo foi embora. Só que dessa vez você não foi por completo. Eu nem sei qual é teu cheiro, mas ele ficou no meu travesseiro, daquelas vezes que a gente nem transava, mas dormia agarrado a noite inteira. Eu já até tinha me habituado ao barulho do teu ronco- e sabia como você parar sem perceber nem acordar. Sabe, você é uma bagunça que eu gosto, eu gostaria de ajudar a arrumar - e bagunçar um pouquinho de novo. Mas você parece lidar muito bem com o fato de ninguém arrumar sua bagunça.

Mas você foi embora. De novo.
Agora doeu mais.

Olha, no meio de umas das mentiras que você me contou, teve uma que ficou me martelando, que foi quando você disse que a gente parece demais, que tem coisas que eu falo que pareceram ter saído da tua boca. Sei lá como, de alguma forma eu me identifico com a tua loucura, com o teu momento. De alguma forma eu consigo entender. Olhos alheios dizem que é paixão, que é besteira da minha cabeça dar importância a alguém tão egoísta como você. Mas eu não. Sei que eu tô aí em algum cantinho escondido.

Eu não sei onde você tá agora. Acho até que não gostaria mesmo de saber. Se você não tá aqui do meu lado dividindo esse cigarro, é porque tem algum lugar que te sirva mais do que meu colo. Eu só queria te pedir, meu coração, que não desfaça essa sua imagem que criei com tanto carinho dentro de mim. Você me feriu um pouquinho, mas eu ainda tenho um baú de prata feito a luz do luar cheio de amor e saudade cultivadas só pra você. Não erra mais não. Quando te olhei nos olhos, te pedi que não fosse meu, mas que fosse verdadeiro. E você não foi. Não quero você pra mim, quero que o mundo seja seu, que você voe alto, mas que me leve junto, mesmo que num cantinho escondido aí dentro. Você tá guardado em mim numa gaveta que está sempre pronta pra ser aberta pra quando você chegar. Mas quando chegar, se um dia você chegar, sê verdadeiro. Sê inteiro, mesmo que a gente só se beije por minutos de novo.

E quando for embora, beija minha testa e bate a porta da frente. Chega de partir pela porta dos fundos, com a luz apagada, deixando comigo um par de meias verdades e um maço de vazio de vontade de você.

E volta.


2 comentários:

Lúcia Kreutzfeld disse...

foi a carta mais linda que ja li, me vi nela.

Lúcia Kreutzfeld disse...

foi a carta mais linda que li até agora, parabéns, me vi nela